Thursday, March 27, 2008

O "Canadá"

Vejo muita gente se referindo ao "Canadá" como se fosse um país homogêneo. Não é. Se existem grandes diferenças regionais no Brasil, no Canadá elas são até maiores, aqui coexistem duas culturas diferentes, que em sua origem foram inimigas. Estas diferenças vão muito além da língua.

Existem vantagens e desvantagens nos dois lados. Mas o que deve reger a escolha da região é a compatibilidade com a cultura e com a língua. Apesar de ter estudado algum francês no colégio, nunca me vi falando francês, e sei que teria grandes dificuldades em me recolocar até dominar a língua.

Há uma grande diferença na qualidade dos serviços oferecidos pelo governo também. Pelo que leio, a saúde do lado francês (Quebec, principalmente) está em muito pior situação. Aqui em Vancouver, utilizamos o serviço de saúde e sempre foi muito bom. Não há grandes esperas e o médico dá a atenção necessária, logicamente não existe o paparico do Brasil, mas o serviço é bem executado. Em contrapartida, li que em Quebec há uma preocupação maior com os daycares, coisa rara e cara aqui em Vancouver.

A situação econômica de cada província também é um fator importante. Hoje, Alberta é uma das que mais crescem, em função das "oil sands". Sorte de quem exerce alguma profissão relacionada à mineração, e suporta bem o frio.

Uma curiosidade que ninguém diz, mas está bem explícita: os Quebecois são vistos como os nossos argentinos, um povo que se considera europeu, mas que os franceses vêem como estrangeiros. O plebiscito sobre a separação é reflexo disso, e no dia a dia, até na lista de discussão do Yahoo me deparo com alguns posts "orgulhosos" por não considerarem o lado inglês do Canadá. O engraçado é que hoje Quebec é a província que mais recebe ajuda do governo federal, e este dinheiro vêm do oeste... enfim, só para ilustrar as dualidades deste país.

Não recomendo nenhum dos lados. Cada um tem suas compatibilidades e perfis próprios. O ideal é poder visitar e conhecer as cidades antes de imigrar, o que nem todos conseguem. Então, é importante o autoconhecimento e a avaliação das perspectivas pessoais e profissionais em cada província.

Pela minha experiência, vejo que existem diferenças significativas entre quem vai pelo processo de Quebec e pelo federal, mas este assunto é meio polêmico e longo, então deixo para outro post.

Planejamento e preparo

Aproveitando a recente discussão na lista de imigração do Yahoo, exponho aqui minha visão sobre o assunto.

É lugar comum dizer que é preciso planejamento, disciplina e persistência para "dar certo" no Canadá. Sim, tudo isso é importante, mas a verdade é que não existe receita nem garantia de nada. Por melhor que seja o planejamento, é difícil saber como as coisas funcionam até chegar aqui e realmente conviver com o mercado. Algumas coisas são surpreendentemente similares ao Brasil, outras, completamente diferentes.

O básico:
  • Língua - sem ela, dificilmente você vai conseguir um bom emprego, por mais qualificado que seja.
  • Planejamento da recolocação: saber se há necessidade de revalidação do diploma, e como pode ser feita; custos, carga horária, etc. No Canadá existem poucos cursos que possibilitam trabalhar simultaneamente, em geral, são full time;
  • Recursos: sem dinheiro para se manter, você acaba pegando qualquer emprego. E fica cada vez mais difícil ter espaço, tanto financeira quanto psicologicamente, para arriscar e investir em você mesmo.
Mas como tudo na vida, imigrar é uma aposta. Cabe a nós termos a melhor mão possível, pesquisando, se preparando, mas infelizmente é preciso mais dinheiro do que o consulado exige para "comprar tempo" depois da chegada. No meu caso, com esposa e duas filhas, isso foi essencial, apesar de eu ter tido bastante sorte e encontrado um emprego relativamente rápido. Acho complicado tanta gente optar pelo processo de Quebec por não precisar comprovar tantos recursos, sendo que mesmo o que o processo federal pede é o mínimo para sobreviver por poucos meses sem emprego.

Minha profissão (publicidade) não é regulamentada em BC, então pude trabalhar logo de início. Minha esposa, dentista, está se preparando para fazer o teste para a revalidação do diploma. É um processo relativamente longo (2 anos) e caro, que no final vai valer a pena. Mas ela só teve esta opção porque já estou trabalhando e temos uma reserva para pagar o custo da faculdade.

Monday, March 24, 2008

Nossa chegada a Vancouver

Vim para Vancouver 1 mês antes da minha família para resolver casa, carro, etc. Queria que as crianças chegassem com alguma estrutura, para que a chegada fosse a mais tranqüila possível.

Quando você sai do aeroporto, você tem uma mistura de emoções... "cheguei, finalmente!", "uma nova vida me espera aqui", mas principalmente "caramba, que que eu faço agora???". Acho que é aí que cai a ficha que agora não tem mais Maria João, consulado pra reclamar, prazo pra esperar, lista de discussão para desabafar... agora tudo depende só de você, o "Canadá" já fez sua parte.

Cheguei de manhã, peguei um táxi, e o motorista (indiano), não parava de falar. Mas eu só tinha olhos para as árvores, as montanhas e para a cidade que elegi como minha futura casa, grato por estar ali. Já conhecia Toronto, Montreal e Quebec, mas decidimos por Vancouver mesmo sem conhecê-la. E assim que cheguei soube que tinha tomado a decisão correta. Hoje não consigo me ver morando em outro lugar.

Através de uma recomendação da Fernanda Fatio (pela internet), já havia reservado um hotel, onde a tarifa mensal era muito mais em conta. Deixei o mês pago (o mês fechado custava a mesma coisa que 15 dias avulsos). Ter pra onde ir assim que chega é muito importante pra não ficar zanzando com um monte de malas pela cidade, psicologicamente faz muita diferença, você não se sente tão desprevenido. A primeira coisa que sempre faço em um lugar novo é dar uma boa volta a pé, para conhecer as redondezas. É engraçado passar por estes lugares hoje, depois de 10 meses. Sua visão do lugar muda muito.

Nas primeiras duas semanas eu tirei meus documentos, comprei o carro, e me informei do processo de matrícula das minhas filhas na escola e no daycare. A procura do daycare também foi bastante complicada, demorei um tempo para encontrar uma vaga. Existem daycares com filas de espera de dois (!) anos.

Quando você chega, é tudo novo, e às vezes você demora três dias pra tirar um documento que sai na hora, seja por falta de alguma documentação, ou por não saber exatamente onde ir. Andei muito no início (além de não saber o itinerário dos ônibus, queria conhecer a cidade), a decisão de não vir com a família neste período foi acertada para mim. Quando eles chegaram, eu já tinha uma boa idéia do que fazer, já que elas tinham que passar pelo mesmo processo de obtenção dos documentos.

O mercado imobiliário em Vancouver é muito ativo, demorei quase 3 semanas para encontrar o apartamento ideal, pois queria um school district específico (e mesmo assim por um valor maior do que queria pagar). Os apartamentos em geral vêm com geladeira, fogão, microondas, lava-louças, lavadora e secadora de roupas. É bem mais fácil se não tiver necessidade de uma área específica. Amigos meus alugaram um apartamento em downtown em poucos dias.

Três semanas depois, fui para Orlando me encontrar com a família. Passamos 10 dias muito bacanas na Disney e Epcot. Foi muito importante também para minhas filhas, que estavam bem tristes por deixar avós e amigas no Brasil.

Com o dinheiro da venda de nossas coisas no Brasil compramos a maioria da mobília e eletrodomésticos. A maioria foi na meca dos imigrantes, a Ikea, rsrsrs.

Fui em um centro de imigrantes uma vez, mas para mim não foi de muita ajuda não. Já tinha meu portfólio na net e na minha área foi o que fez a diferença, juntamente com a entrevista. Minha vaga eu consegui pelo Craigslist.

Aos poucos estamos fazendo amigos, alguns brasileiros, alguns imigrantes também, e outros canadenses. Ter filhos ajuda bastante, você acaba conhecendo muitos pais que têm o mesmo perfil e faixa etária. Mas a gente tem que se esforçar, correr atrás para não ficar isolado.

Língua

Acho que a coisa mais importante para quem imigra é a língua, e no caso de Vancouver, o inglês. Eu estudei inglês desde os 12 anos, me considero razoavelmente fluente, mas demora um tempo até você absorver as expressões e os diferentes sotaques.

Você não precisa ter um inglês perfeito para conseguir trabalhar, mas tem que se fazer entender e compreender o que te dizem. Logicamente que quanto mais alta a posição, mais é exigido, pois você tem que encontrar e discutir com clientes, fornecedores, prestadores de serviço, funcionários. E é frustrante querer dizer alguma coisa e não conseguir, ou a frase sair como se uma criança de 12 anos estivesse falando. Sabe quando tinha aquele "gringo" na escola e todo mundo achava que ele era meio bobo, porque não falava português direito? Pois é.

O lado bom é que os canadenses estão acostumados com vários sotaques diferentes, e facilitam ao máximo. Vejo muito mais boa vontade em entender do que nos EUA, por exemplo. Acho que o mais difícil é entender o inglês de certas etnias, japoneses, indianos, e chineses chegados há pouco tempo são bem difíceis de entender. Mas os brasileiros também têm seu sotaque próprio, e deve ser difícil para eles também.

Para quem ainda não fez o IELTS: o exame não é um bicho de sete cabeças, mas você TEM que se preparar fazendo simulados. Se você chegar sem saber como o exame funciona, suas chances são mínimas. Mesmo para nativos é difícil sem estudo, pelo pouco tempo e o modo que o teste é estruturado. Mas fazendo aulas ou os simulados (de acordo com seu nível de inglês), não há grandes dificuldades. Não tem muitas "pegadinhas", o que eles querem é avaliar seu nível de fluência.

Em SP, no British Council eles fornecem uma lista dos avaliadores que dão aulas particulares. Eu fiz 3 meses, e foi ótimo para treinar redação e desenferrujar o speaking. No exame, vi muita gente completamente desorientada por não saber como era o exame.

Aliás, nos EUA e Canadá, ninguém faz um exame sem ter estudado muito especificamente para ele, fazendo simulados e/ou apostilas.

Sunday, March 23, 2008

Comida

Bom, este assunto já deu pano pra manga na lista de discussão do Yahoo... uma coisa que posso dizer com certeza é: assim como você deve vir aberto para novos costumes, venha também aberto para novos sabores. É claro que dá para tentar adaptar a maioria dos ingredientes daqui para a cozinha brasileira, se esforçando dá pra encontrar quase tudo. Mas nunca será a mesma coisa, o resultado final nunca fica exatamente igual na maioria dos pratos.

Dá para comer muito bem e de forma saudável aqui sim, ninguém precisa ficar limitado a fast food. Carne é proporcionalmente cara aqui (peito de frango é tão caro quanto carne bovina), mas peixes e frutos do mar são mais baratos. Dá para comprar saladas e folhas ótimas no Costco e em supermercados. Muitas já vêm pré-lavadas e são bem práticas.

Se for comer fora, aqui em Vancouver temos uma infinidade de restaurantes - japoneses, chineses, gregos, indianos, italianos, coreanos, tailandeses, portugueses. É a vantagem de ter muitos imigrantes... e a maioria é barata, depois que você está ganhando em dólares.

Um casal amigo que chegou aqui há pouco tempo reclamava que só estavam comendo fast food. Fomos com eles a um japonês, e alguns pratos depois (a culinária japonesa vai muito além de sushi e sashimi) eles começaram a ir pelo menos 3 vezes por semana. O curioso é que nunca tinham experimentado a culinária japonesa!

Um lugar que sempre vamos é o Stepho's, um grego que sempre tem fila na porta. Vale a espera, o calamari dinner (lula empanada) é ótimo, bonito e barato.

O duro é escolher entre tantas opções, e a gente tende a repetir os que mais gostamos. Mas fast food é uma coisa muito rara para nós. Mesmo as meninas, quando perguntamos onde querem comer já começam o coro: sushi! sushi!

Tuesday, March 18, 2008

Qualidade de vida

Um dos mais citados motivos para imigrar é a tal qualidade de vida. Mas o que significa isso?

Antes de imigrar, o que a gente sabe é que quer se livrar dos problemas que assolam o Brasil, como a corrupção, a violência, os valores morais distorcidos, a dificuldade de ganhar a vida. Queremos um lugar melhor para viver e para criar nossos filhos.

Para muitos, o aspecto financeiro fala mais alto: poder ter uma TV plana, um carro zero, poder planejar a compra do seu apartamento, esquiar nas férias. Ou a possibilidade de crescer profissionalmente em um mercado mais estável. Para outros, a segurança de viver em um país com baixa criminalidade e corrupção, onde as leis são obedecidas.

O que acontece é que a grande maioria de nós imigra sem saber muito o que nos aguarda nas terras do norte. Esperamos uma vida melhor, pensando muito mais nos problemas que vamos deixar para trás, do que no que vem pela frente. E uma vez no avião, os problemas do Brasil ficam pra trás, mas isso não significa que automaticamente teremos uma vida melhor.

Sim, o financeiro é fundamental. Se não tivermos emprego e renda, não tem sentido falar em qualidade de vida. Mas não é o bastante para uma vida plena e feliz para quem imigra. Com a imigração, alguns problemas inerentes a ela aparecem: a língua, o desconhecimento da estrutura social e do contexto histórico, os costumes, a comida, a falta dos amigos e da família, a requalificação social e profissional. A falta de referências que no Brasil já tínhamos desenvolvido ao longo da vida (médicos, serviços, até seu restaurante preferido...). Isso tudo pode afetar o psicológico e a auto-estima.

A tão desejada qualidade de vida não vem sozinha. Sim, muitos dos problemas estruturais do Brasil não existem aqui, mas outros problemas existem, e quem chega com uma visão estereotipada acaba se decepcionando.

Sunday, March 16, 2008

Relações

Desde que chegamos, tivemos o prazer de conhecer muita gente. Brasileiros, estrangeiros, canadenses. Cada um com suas peculiaridades e culturas diferentes.

Infelizmente posso dizer que até agora, só encontramos um ou dois casais que podemos dizer estarem bem adaptados. Ouvimos reclamações de muitos, e sentimos ansiedade, angústia e até mesmo tristeza de alguns. A situação financeira é motivo em alguns casos, mas não na maioria.

Sim, a adaptação à uma nova cultura é difícil e trabalhosa. Exige uma cabeça aberta para costumes que são diferentes dos nossos, e que nem sempre fazem sentido à primeira vista. Exige tolerância ao caldeirão de culturas que é o Canadá. Exige humildade, pois somos nós quem estamos nos juntando a uma sociedade já estabelecida, e para saber que somos nós que temos que nos adaptar à ela, e não o contrário.

Muita gente vem para o Canadá mas continua com a cabeça no Brasil. Convive somente com brasileiros, sem perceber que está limitando suas possibilidades de adaptação e crescimento. O pior é que você acaba sem pátria: não está adaptado ao lugar onde vive, mas também não consegue mais voltar para o Brasil e seus problemas.

Novos amigos

Hoje almoçamos com o Márcio e a Viviane, recém chegados do Rio. Ele é um dos poucos privilegiados a conseguir vir em pouco tempo com um work permit, podendo aplicar para a residência permanente daqui.

Muita gente pergunta sobre como conseguir isso. Infelizmente, é para poucos, pois você tem que ser muito bom no que faz para que a empresa se disponha a custear e se responsabilizar por você. Além disso, a empresa tem que provar que não existe nenhum residente ou canadense apto a preencher a sua vaga. Não basta ter uma oferta de emprego de balconista e achar que pode entrar no Canadá.

Bemvindos a Vancouver!

Primeiro post!

Logo que recebemos o pedido dos exames médicos, em março de 2007, ensaiei um blog sobre imigração, e a experiência de imigrar. Com a correria da partida e da chegada, o blog nasceu morto. Também não sentia que ele acrescentaria muito aos muitos (e melhores) blogs sobre o processo de imigração que já existem.

Depois de 10 meses de Canadá, acho que encontrei um motivo maior para ter um blog. Além da batalha de conseguir se recolocar, alugar apartamento, existe uma questão muito pouco discutida: a adaptação à nova cultura, e as relações entre brasileiros, imigrantes e canadenses. E claro, ajudar aos que estão se preparando para vir a ter as expectativas corretas em relação ao Canadá, mais especificamente Vancouver, a cidade que nos recebeu de braços abertos.

Espero que este espaço seja proveitoso para todos!